quinta-feira, 17 de junho de 2010

Anotações sobre a evolução histórica do Direito no Brasil

O século XVIII termina com o desejo dos iluministas, como Pombal, de tornar o direito positivo, libertando-se dos últimos liames religiosos e jusnaturalísticos;

Segundo o esquema de Hugo Grócio, operou-se uma substituição do jusnaturalismo católico por um jusnaturalismo deísta com pretensões racionalistas;

A base do ordenamento jurídico do Ancien Regime era o “direito divino” quer sob a forma anglicana com James I, quer sob a forma galicana, com Bossuet. O Iluminismo reforçava a autoridade real e estatal, não sendo um movimento “revolucionário”;

O movimento revolucionário veio com Jean-Jacques Rousseau ao radicalizar as teses de Suarez sobre a soberania derivada do povo, fazendo do povo o detentor da soberania;

Quando a Família Real Portuguesa vem para o Brasil, nós tivemos maior contato com as novas idéias francesas;

O Movimento de Independência começa na partida de D. João VI em uma composição do pensamento de Rousseau com os interesses da Casa de Bragança, resultando no preâmbulo da Carta Constitucional de 1824: Dom Pedro imperador, “por graça de Deus” e “unânime aclamação do povo”;

Os senhores de engenho, os donos de fazendas, latifúndios e antigas sesmarias, não esboçaram qualquer reação, porque isso convinha aos interesses da aristocracia latifundiária, “e o trono reforçara a estrutura hierárquica e auxiliava com sua força coesiva uma comunidade antiquada;

A implantação de um governo central forte impediu o esfacelamento do território;

O Império foi antimunicipalista ao instituir governos provinciais; e cada Presidente de Província era eleito pelo Imperador;

A Constituição de 1824 prometia a elaboração de Códigos como o Civil, Penal, Processual, e Comercial;

Tivemos um Código Penal, em 1830; um Código de Processo Criminal em 1832. Vinte anos depois, o surgimento do Código Comercial, em 1850, já que o Código Civil só veio em 1916;

Os ingleses influência cultural e modernização


De 1850 até a Primeira Guerra Mundial, vimos a aceleração da modernidade. O Brasil entra nesse processo de mudança cultural social e econômica até o paroxismo dos anos 30 e 40, do século XX. A personalidade do Imperador foi decisiva. Pois ele era o responsável pela manutenção da estabilidade perpetuando o império e protegendo a comunidade contra as forças de desagregação;

Pedro II contava com o apoio dos patriarcas rurais e dos militares que lhe juravam fidelidade, como legítimo sucessor de Pedro I, o artífice da Independência;

Outro pilar do Império era a Igreja Católica, unida ao Estado pela Constituição de 1824, onde o casamento religioso era válido como casamento civil, e o batismo como atestado de  pessoa física;

Os abalos começaram com os atritos dos militares de alta patente, na época da famosa “Questão Militar”, depois com o encarceramento de dois bispos na “Questão Religiosa”. Mas o Império só caiu quando a Abolição perdeu o apoio dos latifundiários;

No Brasil, em 1850, o comércio e a indústria ainda eram olhados com desprezo, herança dos tempos coloniais, quando as profissões servis eram consideradas indignas;

O sistema econômico predominante era o agrário e o pastoril, de onde provinha o poder político dos donos dos latifúndios, necessários para a cultura do café, base da riqueza nacional;

A vinda da Corte, inicia uma série de mudanças, com a criação das primeiras escolas de artes e ofícios, abandonando o antigo programa de ensino de Humanidades e adotando as posições inovadoras de Verney;

A chegada dos imigrantes alemães e italianos, reforça a importância da indústria na economia moderna;

O industrialismo só radicaliza-se quando Dom Pedro II, adere ao pensamento do Visconde de Mauá, e contrata firmas inglesas para a implantação de estradas de ferro, estaleiros, grandes refinarias, fábricas de tecelagem, a partir de 1850;

Segundo Richard Graham, a modernização brasileira só acontece graças à Inglaterra, sem sacrifício da agricultura, e adoção do sistema capitalista liberal do final do século XIX, com largos efeitos em termos de equilíbrio social. Os ingleses trouxeram o maquinismo, o capitalismo moderno, o espírito europeu competitivo e colonialista;

Em 1851, inaugura-se um serviço regular de navios a vapor entre Brasil e Inglaterra;

O Código Comercial de 1850 agiliza o nosso comércio pela uniformização legal dos contratos de comércio, solução de casos de falências, concordatas, etc. Nesse mesmo tempo a Inglaterra, luta contra o tráfico de escravos, sobretudo depois da Lei Aberdeen, 1845, assim o comércio de escravos passa a ser arriscado e o desestímulo leva a procura de outras fontes de renda;

O movimento abolicionista com o apoio da Inglaterra, levava à aplicação de capitais na indústria, que os ingleses estavam implantando no Brasil;

Apesar da dificuldade que o Código Comercial oferecia para criar sociedades anônimas, em 1851 havia 12 empresas, e em 1859 cento e trinta e cinco tinham recebido autorização para funcionar;

Em 1852 é aprovada uma lei que concedia juros de até cinco por cento para os acionistas de companhias construtoras de estradas de ferro (São Paulo Railway). A estrada de ferro São Paulo-Santos foi inaugurada em tempo recorde, em 1868;

Com o incremento da comercialização do café, em Santos, surge um novo tipo de fazendeiro, os empresários agrícolas, que consideravam sua fazenda como um capital, adotando novas técnicas e maquinaria importada da Inglaterra. Exigindo mudanças políticas no fim do Império;

A nova situação econômica traz para sociedade uma gama de modificações. Surgem novos tipos urbanos: os industriais, engenheiros de estradas, engenheiros mecânicos, bacharéis especialistas em Direito Comercial e Falimentar;

A cultura clássica e neoclássica do início do Século XIX, emanada da França interfere na vida econômica e política do país. Essa cultura produz como último grande momento, o Positivismo, de Augusto Comte, com sua idéia calcada na tradição romanística, adaptada ao cientificismo do século passado.

A cultura britânica seria o fundamento do Liberalismo pela influência de Herbert Spencer e seu Evolucionismo Individualista, nos pensadores brasileiros infensos ao ideário conteano.

Nesta segunda ruptura com o Brasil tradicional, inaugurada pela modernização pombalina, que foi a primeira. O Império era investido de suporte tradicional, paternal para falar como Webber, por duas frentes de hostilidade: de um lado o Positivismo, que o atacava no que ele tinha de não-científico-positivo e de outro lado o Liberalismo, que dissentia no que ele guardava de antiliberal;

Com o fim do Império em 1889, e depois da Abolição, restaram duas fórmulas culturais transplantadas para os trópicos: o Positivismo (que tinha a simpatia dos militares), e o Liberalismo (que tinha a simpatia dos empresários);

Nesse quadro cultural competitivo é que inscreveram os trabalhos preparatórios do nosso Código Civil de 1916, e em que se pronunciaram as sentenças de nossos Tribunais;

Evolucionismo, Laicismo, Individualismo, Positivismo: sua influência sobre a elite


Entre as filosofias importadas pelos anglófilos, o Evolucionismo Positivista de Herbert Spencer ocupa o primeiro lugar: trata-se de uma transposição de teses de Darwin para o campo social, com matiz individualista, em função do “Capitalismo liberal’ da Era Vitoriana;

A teoria da evolução se opunha como era de esperar não só a Igreja Católica, mas as várias Igrejas Cristãs em geral;

A idéia de progresso era comum também à doutrina de Augusto Comte. Para o Positivismo Comteano o progresso seria feito com ordem sob a direção de uma elite, como as Forças Armadas. Para Spencer, o progresso seria feito em termos de seleção de espécies de sobrevivência. O Positivismo comteano conduzia a uma estrutura de governo autoritária, o spenceriano a um governo liberal quase anárquico;

As duas correntes incidiram sobre o direito no Brasil, de forma diversa e peculiar. O Positivismo comteano, valorizando a história, criando a sociologia e a antropologia, e interessando-se pela linha de Leon Duguit;

Já o Evolucionismo comteano, foi uma forma de Positivismo cuja ênfase estava sobre o fato social como gerador de relação jurídica;

O Positivismo spenceriano com índole darwinista via na sociedade a luta contínua de que saíam perdedores os mais fracos. O direito era para os spencerianos uma forma de assegurar os poderes conquistados pelos indivíduos;

O Liberalismo brasileiro teve imensas simpatias pela modalidade spenceriana porque nele havia uma virtual justificação da escravidão dos negros, admitindo a desigualdade dos indivíduos como raças;

As academias de Direito formam gerações dentro de uma ou outra escolas conforme a ideologia do catedrático ou de seus assessores;

Tudo isso leva a dessacralização progressiva que culmina na separação entre Estado e Igreja, casamento civil e religioso;

Nesse período, a sociedade é dividida em duas classes: Professores e estudantes de Direito, Medicina, Engenharia, com o Evolucionismo comteano ou spenceriano, laicista (anticlerical), e do outro: a população brasileira que seguia uma concepção de vida que datava de tempos coloniais, constituída em famílias de pátrio poder rigidamente respeitado e exercido;

O romance de Júlio Ribeiro Vaughan, “A Carne”, foi durante muito tempo considerado indecente, por tratar de narrativa romanesca do casamento, família e prole.

Reflexos na doutrina dos juristas do Império. A reação contra o Código Civil

José de Alencar: características de sua obra de ficção, uma análise sociológica


A sociedade patriarcal foi atacada no século XVIII pelo Racionalismo iluminista e pombalino e pelo Contratualismo romântico de Jean-Jacques Rousseau;

Unidos num primeiro momento os movimentos racionalista e romântico tomaram rumos diferentes a partir do momento em que os frutos do Racionalismo, Evolucionismo, Positivismo spenceriano ou comteano, começaram a combater um Brasil patriarcal;

Os ingleses chegam com idéias universalistas e cosmopolitas, falando em Humanidade, para um Brasil recentemente independente;

José Martiniano de Alencar destaca-se como notável romancista, mas também educador e jurista ao encarnar a reação conservadora perante as novas idéias industrialistas, desejando o retardamento do Código Civil brasileiro no século XIX. Ele se tornou romancista por motivos técnicos ou políticos que o fez impedir a aprovação do Projeto do Código Civil de Teixeira de Freitas;

Entre Alencar e Teixeira desencadea-se uma polêmica análoga a de Savigny e Thibaut, na Alemanha;

Antes considerados ingênuos, os romances O Guarani, Iracema e Ubirajara, de José de Alencar têm sido estudados em profundidade;

Apesar da intenção natural do romancista é distrair o seu público, leitor, este pode perceber um nexo entre literatura e sociedade, já que Alencar é um homem de idéias nítidas e claras, dando sua interpretação sobre o passado e orientando o presente, criando uma mística nacionalista indianista (típica do Romantismo);

Apesar do estilo de elite, Alencar foi o autor mais lido e conhecido do século, tido também como um “autor de massas”, e nunca foi um autor difícil como Camilo, Euclides da Cunha ou Eça de Queirós;

Alencar utilizava seus romances para defender seu ponto de vista em relação aos termos jurídicos e filosóficos contra o Código esboçado por Teixeira de Freitas e contra o centralismo pretendido pelo Imperador, D. Pedro II;

Sua concepção de sociedade é hierárquica e não liberal-democrática como demonstra em O Guarani. A concepção de família é mostrada em O Tronco do Ipê. Senhora é uma crítica contra a sociedade. Ele coloca o índio Ubirajara como um cavaleiro medieval nas selvas dos trópicos, e aborda a honradez em Iracema, Sertanejo e O Gaúcho, cujos personagens vivem longe da vida moderna e industrializada;

A Consolidação das Leis Civis


Apesar de proclamada a Independência em 1822, as Ordenações Felipinas continuaram em vigor com a supressão de disposições consideradas caducas perante o decreto Imperial de 20 de outubro de 1823;

A Constituição de 1824 organiza a vida política no Brasil, em 1830 o Código Criminal do Império fez cair o Livro V das Ordenações a respeito do Direito Penal. A Lei Imperial de 29 de novembro de 1832 promulga o Código de Processo Criminal e em 1850 o Código Comercial substitui as Ordenações em matéria de Direito Comercial (Lei n. 556, de 25 de junho de 1850);

Em 15 de fevereiro de 1855 celebra-se um contrato entre o Governo Imperial, representado pelo Ministro da Justiça, Nabuco de Araújo e o Bacharel Augusto Teixeira de Freitas para classificação e consolidação de toda legislação civil. Em 4 de dezembro de 1858 o trabalho de Teixeira de Freitas é recompensado com o parecer favorável de Nabuco de Araújo;

Com a consolidação das Leis Civis abre-se o caminho para a redação do Código Civil brasileiro, mas o Imperador incumbe Teixeira de Freitas de, sozinho elaborar o Projeto que foi considerado satisfatório, mas ficou com o diploma legal mais consultado até o Código que entrou em vigor em 1917;

O Pátrio poder é incluído entre os “Direitos Pessoais nas Relações de Familia”, ao lado do casamento, parentesco, tutela e curatela na Seção I do Livro I (Dos Direitos Pessoais), na Parte Especial;

Apoiado em Savigny, Teixeira de Freitas divide os direitos em reais e pessoais evitando o disposto na Parte Geral e que está na Parte Especial. Distingue também o direito de família puro do aplicado;

Teixeira denuncia a má utilização da denominação “Direitos Pessoais sobre Coisas”, como defeituosa. Distingue de modo preciso o caráter pessoal do patrimonial matéria de pátrio poder, chegando a compreensão de seu precursor, Clóvis Bevilácqua.

Sistematiza o direito para reduzi-lo aos artigos de um Código Civil. Motivo de sua polêmica com José de Alencar, então Ministro da Justiça, admirador do feudalismo, como mostra em sua obra de ficção;

Alencar e a sistemática do “Esboço”


Silviano Santiago define o feudalismo de Alencar como discurso do poder do Senhor para questionar exageros do testamento burocrático (imperial);

José de Alencar foi um adepto da Escola Histórica, em direito ao manifestar-se contrário a promulgação de um Código Civil. Exatamente como Savigny, na Alemanha;

Alencar condenava um Código único para o país face as diversidades regionais, e condenava a Abolição imediata da escravatura;

Alencar não aceitava um só direito civil e colocava-se favorável aos usos e costumes locais, em matéria civil. Considerava o Código Comercial de 1850 mais do que suficiente para regular os atos e fatos do comércio. “Um Código Civil não é obra de um talento ou da ciência unicamente, mas sim é obra dos costumes, das tradições, em uma palavra da civilização brilhante ou modesta de um povo”;

Para Alencar um Código Civil era uma sistematização racional, sem base ou fundamento histórico na realidade nacional plurifacetada, absolutamente inviável;

Alencar não condenava utopicamente a propriedade, mas não compreendia a “clamorosa organização social”;

Sua reação anticapitalista antecede a análise marxista e é freqüente como a dos adeptos da mesma escola, Joseph De Maistre, Luis de Bonald, na França, e Edmond Burke, na Inglaterra, Adam Muller e Frederico Schlegel, antes de Savigny na Alemanha, Silvio Pellico, Alessandro Manzoni e o Beato Contardo Ferrini, na Itália;

A positivação do direito civil surge no início do século XX, com a forma republicana o surgimento de grandes aglomerações urbanas, e o industrialismo nascente e/ou crescente junto as primeiras manifestações operárias;

Reflexos na jurisprudência

A doutrina jurídica na década de 70


Em 8 de setembro de 1874, o jurista João Pereira Monteiro expressa um pensamento influenciado ao jusnaturalismo do século XVIII, para não dizer do século XVI, ao dizer que “a autoridade paterna não é pura criação do direito positivo, este apenas regula o movimento de um fato que a mesma natureza estabeleceu (...)”;

Ele mostra que o Império só passou a existir a partir da Constituição de 1824, tornando indiscutível a forma de governo, a forma de Estado, a divisão do território nacional, a cidadania;

A distinção entre o que é matéria de Direito Público e Privado foi o ponto que partiu argumentação. Essa divisão coube aos juristas romanos, interpretando o que é de competência do Estado regular e o que deve ser disciplinado livremente entre particulares. Alguns aceitam a necessidade de uma adaptação das velhas Ordenações Filipinas ao Brasil da belle époque, da industrialização, do sistema capitalista, influindo nas relações sociais e familiares;

Joaquim Felício dos Santos argumentou que a organização de um Código Civil já é por demais tardia;

O Parecer da Comissão “com a isenção que o assunto requer”, toma como ponto de partida que “um Código é o grau mais elevado que se ergue no espírito jurídico (...)”;

Reflexos na jurisprudência: ela deixa de ser pacífica nos Tribunais


As tendências patriarcalistas nos Tribunais provinciais


A inexistência de um Código Civil dava à jurisprudência um papel preponderante na adaptação da norma da vida quotidiana, sobretudo porque estava em vigor leis do Século XVI, as Ordenações Filipinas, em matéria civil, e há muito tempo revogadas pela promulgação de um Código Civil em Portugal (1º de julho de 1867);

Nessa jurisprudência não havia consenso sobre a matéria de pátrio poder;

Desse modo, os Tribunais Provinciais eram tendenciosos sobre o fortalecimento do patriarcalismo e do pátrio poder. Na Suprema Corte de Justiça, na Capital do Império, a jurisprudência era no sentido da Constituição de 1824, pela primazia da igualdade jurídica.

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