quinta-feira, 1 de julho de 2010

S U R S I S

DIREITO PENAL

Prof. Márcio Caldas

Adelfran Lacerda

Curso de Direito

5º. Período

1 – Conceito

Derivado do francês “surseoir” (suspender), sursis quer dizer suspensão. Permite que o condenado não se sujeite à execução de pena privativa de liberdade de pequena duração.

O “sursis” é a suspensão condicional da pena privativa de liberdade pelo prazo de dois a quatro anos, objetivando facilitar a integração do condenado ao meio social, evitar a promiscuidade e os efeitos negativos dos estabelecimentos carcerários.

Durante o período de benefício, o condenado deverá se sujeitar a algumas condições. Se ao terminar prazo não tiver havido revogação, ser-lhe-á declarada extinta a pena.

No Código Penal é tratado nos artigos de 77 a 82 e na Lei de Execução Penal nos arts. 156 e seguintes

2 – Requisitos

O Juiz não tem a faculdade de aplicar ou não o sursis. Mas, se presentes os pressupostos, a aplicação é obrigatória.

São requisitos para a concessão:

- Pena fixada em sentença não superior a dois anos

- O condenado não pode ser reincidente em crime doloso, exceto se na condenação anterior tiver sido aplicada somente pena de multa

- Desde que a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente autorizem a concessão do benefício

Os requisitos são de natureza objetiva quando se relacionam à qualidade e a quantidade da penas e, subjetivos, conforme à previsão, referem-se aos antecedentes judiciais e qualidades pessoais do réu.

3 – Condições

Para se beneficiar, o condenado deverá, de acordo com lapso de tempo, cumprir determinadas condições, sob pena de revogação da medida e voltar a cumprir sanção privativa de liberdade.

Essas condições são de ordem a) legal – impostas pela lei e b) judiciais – impostas pelo Juiz na sentença.

As condições básicas são:

- No primeiro período de prova: prestar serviços à comunidade ou sujeitar-se à limitação do fim de semana

- No período restante: observar outras condições que tenham sido fixadas pelo Juiz na sentença

- Não causar a revogação por outra condenação ou pela não reparação do dano causado pelo delito.

4 – Espécies

Sursis Simples

Impõe como condição a prestação de serviços à comunidade ou limitação do fim de semana durante o primeiro ano do período de prova

Sursis Especial

As condições são mais brandas, desde que o condenado já tenha reparado o dano ou se, na impossibilidade de fazê-lo, as circunstâncias judiciais do Artigo 59 lhe forem inteiramente favoráveis.

Assim poderá ser submetido a três variáveis:

a) Proibição de freqüentar determinados lugares

b) Proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização judicial

c) Comparecimento mensal e obrigatório em Juízo para informar e justificar as suas atividades

Sursis Etário

É aplicado ao condenado maior de 70 anos de idade, desde que a pena não seja superior a quatro anos. Mas, o período de prova será maior: de quatro a seis anos

Sursis Humanitário

É aplicado no caso em que as razões de saúde justifiquem a suspensão, com período de prova de quatro a seis anos. Só que, a exemplo do “Etário”, nessa espécie de Sursis, a quantidade da pena é alternada para o limite de quatro anos e não dois como no “Simples” e/ou “Especial”.

5 – Revogação

Se não cumprir as condições durante o período de prova, será revogado o instituto e o condenado cumprirá por inteiro a pena que se encontrava com a execução suspensa.

As causas de revogação são obrigatórias e/ou facultativas. As primeiras dizem respeito a condenação em sentença irrecorrível por crime doloso; frustrar a execução da pena de multa ou deixar de efetuar, sem justificativa, a reparação de dano e, descumprir as condições impostas pelo benefício.

Facultativa, mo sursis poderá se revogado se o condenado deixar de cumprir as obrigações judiciais (impostas na sentença) ou se for condenado, irrecorrivelmente, durante o período de prova, por crime culposo ou contravenção, desde que imposta pena privativa de liberdade.

6 – Extinção da Pena

Se o período de prova termina sem que haja motivo para a revogação, não mais se executará a pena privativa de liberdade (art. 81), devendo o Juiz declarar extinção.

A sentença declaratória de extinção parcial de punibilidade, não de natureza constitutiva. Em face disso, a extinção da pena ocorre na data do término do período de prova e não na em que o Juiz profere a decisão, ainda que seja muito tempo depois.

7 – Bibliografia

- GONÇALVES, Vitor Eduardo Rios, Direito Penal – Parte Geral, 16ª. Edição, Editora Saraiva, São Paulo, 2010

- JESUS, Damásio de, Direito Penal, 1º. Vol - Parte Geral – 19ª. Edição, Editora Saraiva, São Paulo, 1995

- JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz, Direito Penal, 9ª. Edição, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2010-06-23

PECULATO

DIREITO PENAL


Prof. Márcio Caldas

Curso de Direito

5º. Período

01 – CONCEITUAÇÃO

Do latim peculatus, de peculari, de pecus (gado), literalmente o vocábulo “peculato” deveria exprimir furto de gado.

Mas, “pecus”, primitivamente, era a moeda corrente. É por isso que “peculatus”, desde a Roma antiga exprimia o “furto de dinheiros públicos” – furtum pecuniae publicae vel fiscalis.

02 – DIREITO MODERNO

No Direito Moderno, o sentido técnico da expressão assume maior amplitude. Caracteriza a apropriação, a subtração, o consumo ou o desvio de valores ou bens móveis pertencentes à Fazenda Pública ou que se encontrem em poder do Estado, por um funcionário público, que os tenha sob sua guarda e responsabilidade, em razão do cargo, da função ou do ofício, seja em proveito próprio ou alheio.

03 – ELEMENTOS ESSENCIAIS

Para configuração do ato criminoso descrito, são considerados elementos essenciais:

- A qualidade ou a condição de funcionário público, seja em caráter efetivo ou mesmo interino

- A subtração, apropriação, desvio, em proveito próprio ou alheio, de dinheiro, valor ou qualquer outro bem público ou particular

- A posse de tais valores, isto é, guarda, depósito, arrecadação, administração, em razão do cargo pelo funcionário, agente do delito.

04 – CÓDIGO PENAL

O crime de peculato está previsto no Artigo 312 (Capítulo I – Dos Crimes Praticados por Funcionário Público Contra a Administração em Geral – Título XI) do Código Penal (Decreto-Lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940).

Artigo 312 – Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de quem tem a posse em razão do cargo ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:

Pena: reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze anos), e multa

§ 1º - Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheiro, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário.

...

Para completar o entendimento, vale citar quem é considerado “Funcionário Público” no Artigo 327, do mesmo capítulo do Código Penal:

Artigo 327 – Considera-se funcionário público para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.

§ 1 º - Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública.

§ 2 º. A pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes previstos neste Capítulo forem ocupantes de cargos em Comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público.

05 – O CASO

É a seguinte a situação apresentada pelo Professor de Direito Penal, Dr. Márcio Caldas:

Caio fiscal da Receita estadual se apropria indevidamente de mercadoria sem nota fiscal e durante operação barreira fiscal é flagrado e preso pela brilhante equipe da 146º DP. Condenado a dois anos de prisão pelo crime de peculato, pergunta-se: quais os efeitos penais dessa condenação transitado em julgado. Responda, justificadamente inclusive com fundamento legal.

06 – AS CONSEQUÊNCIAS

Condenação

O crime cometido, reconhecido em sentença é de peculato, cuja pena prevista é de reclusão, de dois a doze anos e multa no caso mencionado. Mas, Caio foi condenado à pena mínima imposta (dois anos), de acordo com o Artigo 312.

Progressão

Todavia, conforme preceitua o parágrafo quarto, do Artigo 33 (Capítulo I – Das Espécies de Pena) do Código Penal, em função de acréscimo decorrente da Lei no. 10.763, de 12 de novembro de 2003, Caio poderá ter progressão de regime de cumprimento de pena. Diz o dispositivo.

Artigo 33 - ....§ 4º - O condenado por administração pública terá progressão de regime do cumprimento da pena condicionada à reparação do dano que causou ou da devolução do produto do ilícito praticado, com os acréscimos legais”.

Outras sanções

Mas, sobre o seu crime, temos que notar ainda o que discrimina a Lei no. 8429, de 2 de junho de 1996, dispondo sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício do mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta ou fundacional, dando outras providências.

O crime cometido por Caio enquadra-se ao que está previsto no artigo 10 (Seção II), sobre “Atos de Improbidade da Administração Pública que Causam Prejuízo ao Erário”. Assinala o dispositivos:

Artigo 10 – Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º. desta lei.

Assim, incorrerá Caio também nas penas previstas no Inciso II do Artigo 12 (Capítulo III), do mesmo dispositivo, que prevê:

Artigo 12, Inciso II - ...ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 5 (cinco) a 8 (oito) anos, pagamento de multa civil até 2 (duas) vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou, incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica do qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 5 (cinco) anos.

ABERRATIO CAUSAE

DIREITO PENAL

Prof. Márcio Caldas

Curso de Direito

1 – Conceito

Incluída na hipótese geral de “Crime Aberrante”, a aberratio causae é melhor definida pela doutrina, citando que ocorre quando o resultado pretendido inicialmente pelo agente, pode ter advindo de uma causa que por ele não havia sido cogitada.

Portanto, diferente da aberratio ictus, prevista no artigo 73 do Código Penal -- “quando por acidente ou erro, ao invés de atingir a pessoa que pretendida, atinge outra...” -- e da aberratio criminis, artigo 74, -- “quando por acidente ou erro de execução do crime, sobrevém resultado diverso do pretendido”,

2 – Exemplos

Rogério Greco, in “Curso de Direito Penal” (Ed. Impetus, 11ª. Edição, 2009), cita dois exemplos que se enquadram em aberratio causae.

Exemplo 1

“Assim, suponhamos que o agente, querendo causar a morte da vítima por afogamento, a arremesse, por exemplo, da ponte Rio-Niterói, sendo que, antes de cair na baía de Guanabara, a vítima choca-se com um dos pilares da aludida ponte e morre em virtude de traumatismo craniano, e não poder afogamento, como inicialmente pretendia o agente

Exemplo 2

“Pode acontecer, ainda, que ocorra um resultado aberrante também na hipótese em que o agente, após efetuar dois disparos, supondo já ter causado a morte da vítima, com a finalidade de ocultar o suposto cadáver, coloca-a em uma cova, enterrando-a, sendo que esta, na verdade, ainda se encontrava viva, vindo, contudo, a morrer asfixiada”.

Nesse segundo exemplo, aduz Greco, citando Nelson Hungria , há “Dolo Geral”, pois esse conceito se aplica, “quando o agente, julgando ter obtido o resultado intencionado, pratica segunda ação com diverso propósito e só então é que efetivamente o dito resultado se produz.

Em qualquer caso, acrescenta, havendo o resultado aberrante, o agente responderá por dolo.

No exemplo da ponte, continuará a responder pelo homicídio doloso consumado, mesmo que a finalidade tenha sido a de produzir a morte por afogamento e não por traumatismo craniano.

No segundo caso, havendo o dolus generalis, o agente deverá ser responsabilizado pelo seu dolo inicial, ou seja, se pretendia causar a morte com os disparos por ele efetuados. Mas, se esta ocorreu somente depois que a vítima foi enterrada e asfixiada, continuará a ser responsabilizado por um único crime de homicídio doloso consumado, além do delito de ocultação de cadáver.

3 – Dolus generalis e Animus necandi

Sobre o “dolo geral” vale ainda ressaltar os ensinamentos do jurista alemão Hans Welzel que assim o define o dolo geral :

“quando o autor acredita haver consumado o delito, quando na realidade o resultado somente se produz por uma ação posterior, com a qual buscava encobrir o fato”.

O jurista alemão apresenta como exemplo in “Derecho Penal Alemán” (pág. 89), o caso do agente que, após desferir golpes de faca na vítima, supondo-a morta, joga o seu corpo em um rio, vindo esta, na verdade, a falecer por afogamento.

Sua posição é de que com duas ações distintas e com duas infrações penais também distintas, o agente atuava com o chamado dolo geral, que acompanhava em sua ação em todos os instantes, até a efetivação do resultado desejado no início.

Dessa conforma, avalia Welzel, se o agente atuou com “animus necandi” ao efetuar os golpes na vítima, deverá responder por homicídio doloso mesmo que o resultado da morte advenha de outro modo que não aquele pretendido pelo agente (aberratio causae), quer dizer, finaliza, o dolo acompanhará todos os seus atos até a produção do resultado, respondendo o agente, portanto, por um único homicídio doloso, independente do resultado aberrante.

4 – Conclusão

Diante do exposto, avaliamos que o caso apontado pelo professor Márcio Caldas sobre a morte de Tício que levou três tiros de Caio mas que morreu vítima de afogamento provocado pelo segundo, se inclui no rol de “aberratio causae”, como foi descrito acima.

Configurado também o “dolus generalis”, o agente deverá ser condenado por dolo e responsabilizado por crime de homicídio consumado, além do delito de ocultação de cadáver.

7 – Bibliografia

- GRECO, Rogério, Curso de Direito Penal – Parte Geral, 11ª. Edição, Editora Impetus, Niterói, 2009

- JESUS, Damásio de , Direito Penal, 1º. Vol - Parte Geral 9ª. Edição, Editora Saraiva, São Paulo, 1995